O FATO DO PRÍNCIPE

Em meio a tanta insegurança jurídica gerada por diversos Decretos, Medidas Provisórias, Projetos de Lei em razão do estado de calamidade pública causado pela Pandemia do Covid-19, surge um artigo a tempos não mencionado da CLT, o artigo 486, chamado O Fato do Príncipe. 

Esse nome pomposo, que parece se reportar a era monárquica nos faz pensar: mas afinal, o que é o Fato do Príncipe? 

A “Teoria do Fato do Príncipe”, mais utilizada em direito administrativo ao tratar de contratos administrativos, foi criada como forma de manutenção do equilíbrio contratual nos contratos celebrados entre particulares e Poder Público, a fim de evitar o abuso pelo ente público perante o ente privado. 

O Estado celebra contratos com particulares de acordo com sua necessidade administrativa a fim de atingir o seu objetivo: o bem comum, da coletividade.  

 No fato do príncipe o Estado agrega um poder de alterar de forma lícita o contrato administrativo, chegando a mudá-lo se for preciso. Esse poder pode e certamente irá gerar um prejuízo econômico para a outra parte. 

Celso Antônio Bandeira nos traz que as consequências são “agravo econômico resultante de medida tomada sob titulação diversa da contratual, isto é, no exercício de outra competência, cujo desempenho vem a ter repercussão direta na econômica contratual estabelecida na avença”. 

Essa interferência do Estado em alterar os contratos suscita uma indenização para o particular prejudicado com a alteração unilateral do Estado. 

Mas como isso se aplica ao Direito do Trabalho, mais especificamente no art. 486 da CLT? 

O factum principis, previsto no art. 486 da CLT, é o ato da Administração Pública de natureza administrativa ou legislativa que gera a completa impossibilidade de execução do contrato de trabalho, considerado pela doutrina como espécie do gênero força maior (art. 501 da CLT). 

“Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. (Redação dada pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951) (grifo nosso) 

 Essa indenização trazida pelo artigo legislado em 1951 foi substituída pela indenização sobre o FGTS com o advento da CF/88. 

O art. 501 da CLT que nos traz a definição de força maior e em seguida, no artigo 502 da CLT traz a hipótese de que será assegurado aos trabalhadores uma indenização assim definida: “Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte: I – sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478; II – não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa; III – havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.” 

Na época da emissão deste artigo, estava em vigor o art. 492 da CLT que previa a indenização decenal, suprimida pela CF que na época do início de sua vigência,  possibilitou a escolha do regime do FGTS ou não aos trabalhadores, o que não se aplica mais nos dias atuais. 

Então hoje, caso fosse aplicado o art. 502 da CLT, o pagamento das veras rescisórias permaneceria intacto, sendo que apenas a indenização atual da multa dos 40% deveria ser paga pela metade. 

Dessa forma, se alegado o Fato do Príncipe, o governo pagaria apenas a metade da indenização da multa do FGTS, já que é o previsto no art. 486 da CLT. 

Mas, realmente, é o Fato do Príncipe? 

Muitos juristas defendem que não, tais como o juiz do trabalho e professor Fabiano Coelho de Souza, que defende abertamente em suas redes sociais que não é fato do príncipe. 

Um dos motivos é que não basta a empresa alegar nesse momento o Fato do Príncipe! Esse incidente serve apenas para alegação em caráter de defesa por parte da empresa caso haja uma reclamatória trabalhista contra ela. 

O segundo motivo é que para ser Fato do Príncipe, o ato discricionário do poder público deveria ser aquele que escolhido dentre diversas opções, traria mais prejuízos ao ente privado. 

Não é o presente caso, já que não houve alternativas à administração pública que lidava com problema de ordem mundial, uma pandemia, com determinações da OMS entre outros órgão, não tendo o objetivo da discricionaridade, mas sim, da defesa da vida. As decisões foram tomadas em razão do enfrentamento da calamidade pública mundial e que assola nosso país de maneira avassaladora. 

Não restam dúvidas que há responsabilidade do Estado perante a situação de emergência, mas infelizmente, nesse caso, não cabe esse pagamento por conta do ente público, sendo que essa responsabilidade ainda é do ente privado: as empresas. 

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