A ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – aprovou, no último dia 23 (março), a Resolução de Diretoria Colegiada que define os novos contornos para regularização de softwares (programas e aplicações) como dispositivos médicos (Software as Medical Device – SaMD). A Resolução entra em vigor em 1º de julho de 2022.
Para melhor compreender a abrangência do novo normativo, se faz necessário, primeiramente, estabelecer o que vem a ser software, e, por consequência lógica, aquilo que é um dispositivo médico.
A Lei 9.609, conhecida como a Lei do Software, apresenta, pautada nas compreensões e no momento tecnológico dos idos anos de 1998, o significado de software, como sendo:
Programa de computador (software) é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-lo funcionar de modo e para fins determinados.
Como exposto, a disposição deve ser interpretada conforme a técnica da época, vez que determina que software está contido em suporte físico. Atualmente, considerando os avanços tecnológicos, a definição carece de uma interpretação mais expansiva, tendo em vista a possibilidade de transporte e alocação de softwares em outros formatos, distintos daqueles previstos e cunhados no corpo da Lei, como, a exemplo, em nuvem, no padrão conhecido como SaaS (Software as a Service ou Software como um Serviço).
A RDC – Resolução de Diretoria Colegiada – nº 185, de 22 de outubro de 2001, apresenta o conceito de produto (dispositivo) médico como sendo:
Produto para a saúde, tal como equipamento, aparelho, material, artigo ou sistema de uso ou aplicação médica, odontológica ou laboratorial, destinado à prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação ou anticoncepção e que não utiliza meio farmacológico, imunológico ou metabólico para realizar sua principal função em seres humanos, podendo, entretanto, ser auxiliado em suas funções por tais meios.
Convém, para melhor entendimento, trazer o significado de produto médico ativo para diagnóstico, também inserido na RDC nº 185:
Qualquer produto médico ativo, utilizado isoladamente ou em combinação com outros produtos médicos, destinado a proporcionar informações para a detecção, diagnóstico, monitoração ou tratamento das condições fisiológicas ou de saúde, enfermidades ou deformidades congênitas.
O novo ato normativo, que passa a reconhecer o SaMD – Software com um Dispositivo Médico – tem o condão de normatizar modelos intangíveis (leia-se: software) de avaliação e monitoramento de saúde e que possam ser utilizados embarcados em hardwares próprios de dispositivos médicos, em conjunto com outros aparatos físicos ou mesmo de forma isolada, para o aprimoramento do diagnóstico e do tratamento de condições fisiológicas, enfermidades ou deformidades.
A resolução, datada de março de 2022, conceitua SaMD como:
Software que atende à definição de dispositivo (produto) médico, podendo ser de diagnóstico in vitro (IVD) ou não, sendo destinado a uma ou mais indicações médicas, e que realizam essas finalidade sem fazer parte de hardware de dispositivo médico. Inclui os aplicativos móveis e software com finalidades in vitro, se suas indicações estiverem incluídas na definição geral de dispositivos médicos. Incluem-se neste definição, entre outros, o software licenciado por assinatura e hospedado centralmente (Software as a Service), que se enquadre na definição de dispositivo médico.
Com efeito, a resolução excluí do conceito de SaMD aqueles que são destinados ao uso por leigos ou em ambiente doméstico (art. 6º, II); softwares destinado ao bem-estar (art. 1º, §2º, I), conceituados como aqueles “destinados a encorajar e manter o bem-estar, incluindo atividades saudáveis como exercícios físicos, ou a encorajar e manter o controle da saúde e um estilo de vida saudável que não são destinados a prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação ou anticoncepção”, bem como aqueles dispostos em lista mantida pela ANVISA sobre os produtos não regulados (art. 1º, §2º, II).
O leitor já deve ter questionado: A resolução que trata da regulamentação do SaMD impõe modificações sobre os softwares desenvolvidos para o modelo de telemedicina?
Essa é uma ótima pergunta…
Apesar da resolução não tratar de forma específica sobre a necessidade da adequação do software utilizado por médicos no atendimento remoto de pacientes, fica claro, na interpretação do conjunto normativo, que regula a telemedicina, com observância ao novo ato regulatório SaMD, que não há vínculo entre a adoção de medidas para certificar o software que envolve produtos (dispositivos) médicos e o sistema de atendimento por aplicativo de vídeo conferência.
O Conselho Federal de Medicina, através da Resolução 2.228/2019, define que a telemedicina é o “exercício da medicina mediado por tecnologia para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção da saúde, podendo ser em tempo real on-line (síncrona) ou off-line (assíncrona), por multimeios em tecnologia, dentro do território nacional”.
Em síntese, como registrado no art. 4º, “a teleconsulta é a consulta médica remota, mediada por tecnologia, com médico e paciente localizados em diferentes espaços geográficos”.
Por sua vez, o art. 5º, do mesmo normativo exarado pelo Conselho Federal de Medicina, determina quais são registros eletrônicos/digitais obrigatórios, sendo um deles o “diagnóstico”.
Todavia, é imperativo destacar que o termo “diagnóstico” conduz a interpretação de conclusão obtida pelo profissional de medicina ao avaliar o estado de saúde do paciente, com base no seu relato, associado ou não, a análise de outros fatores, como resultados de exames diagnósticos complementares, mediante o uso de dispositivos (produtos) médicos.
Para uma simples comparação, enquanto o SaMD está apoiado na parte médica analítica instrumental e formal, permitindo que o profissional da saúde possa obter informações mais conclusivas para orientar no processo de tratamento e acompanhamento evolutivo do estado de saúde do paciente (tal como equipamento, aparelho, material, artigo ou sistema de uso ou aplicação médica, odontológica ou laboratorial, destinado à prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação ou anticoncepção), a telemedicina, por sua vez, é o meio informal que aproxima o paciente do profissional, permitindo o compartilhamento de informações, via rede mundial de computadores, visando atender aos fins que a medicina propõe quanto aos cuidados que envolvem a saúde de seus pacientes.
A lista disposta pela ANVISA, conforme exposto no art. 1º, §2º, II da Resolução que trata do SaMD, que aponta os produtos não regulados, apresenta, no item 8, aqueles de uso geral utilizados como partes ou acessórios de produtos de saúde. Dentre eles: câmeras fotográficas de uso geral; equipamentos de informática de uso geral; filme fotográfico comum de uso geral; gravador de imagens, exceto os indicados para registros de sinais ou imagens médicas; impressora, exceto as indicadas para registro de sinais ou imagens médicas; dentre outros.
Com efeito, os mecanismos tecnológicos, como dispositivos móveis ou não (celulares, tablets, notebook e computadores) e seus respectivo programas e aplicações, utilizados no sistemas de teleconsulta, bem como os dispositivos “vestíveis” (wearables, como relógios inteligentes, medidores de passo e de ritmo cardíaco, com fins de bem-estar) e aqueles de uso domésticos, para leigos, como medidores de pressão, glicose e ritmo cardíaco, não promovem leitura, registro e impressões de sinais, ou, ainda, qualquer outra forma de diagnóstico qualificado e aprimorado da condição de saúde do paciente, portanto, ficam excluídos do dever de adequação a nova regulamentação, que trata do SaMD.
Por fim, cabe registrar que, sendo um dispositivo médico, a rigor, devendo ser submetido aos desígnios da nova resolução da ANVISA, ou, qualquer aparato de uso doméstico e leigo, que, desde a sua concepção, sejam estes dotados de medidas de segurança desejáveis (security by design), visando evitar potenciais ataques cibernéticos, colocando em detrimento a qualidade e a integridade das informações e dos dados triviais e sensíveis de pessoas naturais armazenados ou transferidos no e pelo dispositivo.